Decoro, porcelanas e outros sentimentos.

"Aqui dentro bate, sim, um coração de verdade, senhores. Não é feito de pano. Muito menos de papel. Talvez numa metáfora algo do tipo se encaixe. Mas hoje não estou muito bom para metáforas e coisas do tipo. Do lado de dentro é carne e osso, e pronto. Do lado de fora também é tudinho de verdade. Nada aqui é de mentira, não sou fantoche, não sou boneco de pano, não sou um mero ventríloco. Não há cordas nos meus braços, não há ninguém por trás que possa me controlar, não há nada além de simplesmente eu.
E se não for o bastante para vocês, que me esqueçam, ora! Para quê essa brincadeira que só me consome? Vocês realmente precisam de mim? Para isso? Me nego. Não sou e nunca vou ser um boneco para os senhores brincarem e tratarem-me como bem entedem. Não! Sou um ser humano. E não me venham com mais metáforas, por favor. Se hoje de manhã acordei com desejo de comer ameixa, sou um ser humano. Se ontem a noite senti saudades dos velhos amigos, sou um ser humano. Se agora sinto frio, sou um ser humano. Então, qual é o problema de vocês?
Desde pequeno vejo essa algazarra acontecendo. Mas agora vou falar! Agora tenho o que falar. Talvez eu não seja como os outros... Talvez eu seja real. Real o suficiente para não me contentar com este pouco que me dão. Real o suficiente para chegar aqui e pôr pra fora este tormento todo que estava em ebulição dentro mim. Real o suficiente para exijir minha recompensa por tudo que lhe fiz, ingrato. E talvez você não enxergue, penso eu. Não viu que eu estava lá, não viu que eu lhe afaguei o rosto, não viu que eu lhe protegia todas as noites.
E agora, onde está você? E aqueles outros? Não se sabe nunca. Eu sei apenas onde estou, nada mais. Estou onde me deixaste, largado e solitário. Mas pelo menos me desprendi das cordas que me seguravam os braços e daquele controlador aproveitador que me arrumara. Agora, então, não há mais nada que me segure. Sou livre e agora o céu é meu limite. Pena que não me amas mais... Pena para você.
E, a partir de hoje, prometo nunca mais ligar estes fios mortos a outras grades, prometo nunca mais deixar um qualquer pôr sua vontade em meu corpo, prometo nunca mais deixar que me enganem. Por que agora sinto algo vivo batendo dentro de mim, e é verdade. E é um coração. Não de papel, não de pano, mas talvez de pedra.
E, obrigado, você me deu uma metáfora."